Cada cultura reserva um lugar privilegiado ao amor, representando-o à sua maneira. Os sentimentos não são naturais, mas configurados culturalmente na interpessoalidade, em certo momento histórico e em certa sociedade. O amor não foge a essa regra!
O amor não é um fato natural e instintivo, nem a-histórico, sua configuração é mediada pela cultura, logo é específico para cada gênero, classe social, idade e povo.
Parte do que denominamos amor atualmente remonta ao século XII, na Europa, período pelo qual os trovadores introduziram novas formas de relações entre homens e mulheres. Criou-se a ideia da “mulher idealizada”, adorada, um amor nobre e erótico. Enquanto a mulher real ocupava um lugar completamente diferente, de posição submissa em relação ao homem.
Antes o casamento nada tinha a ver com o amor, eram realizados em função de arranjos familiares ou políticos, era uma instituição para transmissão de patrimônio. A ideia de amor no casamento só vem surgir depois, em um momento de expansão da igreja católica, instituindo sua quebra como pecado e a monogamia como pilar fundamental.
A partir desse momento, o sexo deveria acontecer apenas no casamento e com fins de procriação. Além disso, a igreja defendia uma hierarquia matrimonial, marcada pela liberdade sexual do homem, uma poligamia consentida e um forte controle da sexualidade feminina.
Surge a representação da “esposa”, a da “prostituta” e da “malsucedida ou solteirona”.
A solteirona é aquela que não foi escolhida, vista como fracassada e doente por não cumprir o seu destino de mulher. Perpetuava-se a hierarquia homem e mulher, mas também a hierarquia entre as mulheres.
Na década de 1960 e 1970 acontece a revolução da pílula anticoncepcional que traz certa flexibilização da moral sexual, mas a influência da igreja e o moralismo persistem.
Como parte desse imaginário presente no dispositivo amoroso, firmou-se a ideia de sedução feminina, a necessidade de ser sexy. Agora a mulher deve se mostrar, exibir o corpo, ser erotizada e se mostrar desejosa ao sexo para aumentar as chances de serem “escolhidas”.
Ser escolhida na prateleira do amor torna-se uma questão de identidade para as mulheres. O ideal estético da prateleira do amor é perverso, é extremamente gordofóbico, racista e sexista. Quanto mais longe do ideal estético, maior a vulnerabilidade da autoestima da mulher e a probabilidade de se sentir descartável na prateleira do amor. As mulheres são vistas como objetos de amor na nossa sociedade, isto é, se subjetivam como objeto sexual para os homens.
“Os homens aprendem a amar, as mulheres a desejar e erotizar o desejo deles, utilizando o próprio corpo” (Zanello, 2018).
O que nunca se questiona é o lugar naturalizado do homem como avaliador da mulher. É fácil perceber isso em situações corriqueiras, quando por exemplo homens estranhos chegam em uma mulher e dizem “você é muito bonita” e esperam que isso seja recebido como um elogio pela mulher!
Eles ocupam um lugar privilegiado de julgar fisicamente e moralmente as mulheres!
É por isso que términos costumam afetar mais a saúde mental das mulheres, pois elas costumam se avaliar sobretudo a partir da esfera amorosa, isto é, “eu tenho valor se sou escolhida ou desejada por alguém”.
O que nos mostra como a solteirice é pensada e vivida de forma completamente diferente por homens e mulheres.
Em nossa cultura, o amor como vivemos é herdeiro do amor burguês e romântico e se apoia na afirmação da heterossexualidade como amor “natural”, defende a monogamia e a dedicação intensa das mulheres, que faz com que suas autoestimas sejam terceirizadas e se apresentem como um forte fator de desempoderamento e adoecimento para elas.