O período de festas do final e começo de ano sempre chegam carregadas de um discurso de felicidade, alegria, comunhão e agradecimentos. Porém esse período nem sempre é sentido dessa maneira por algumas pessoas, que podem se sentir culpados, tristes e, em alguma medida, até mesmo fracassadas.
É importante frisar que esse período pode gerar desconforto e sofrimento psíquico para algumas pessoas, que perderam alguém ou que estão longe de familiares e amigos, ou para alguns grupos oprimidos que não encontram vínculos saudáveis e acolhedores em suas famílias. Entre esses grupos podemos destacar pessoas LGBTTQIAPN+, que podem não ser assumidos para seus familiares ou quando o são se deparam com o abandono familiar, um ambiente hostil e restritivo.
A população LGBTTQIAPN+ enfrenta altos índices de violência ao longo de todo ano, e essa violência permeia seus lares e famílias nucleares em que a segurança e o afeto podem ser inexistentes. Essa violência, falta de acolhimento e afeto podem gerar sentimentos depressivos, ansiosos, comportamentos de autoagressão e até mesmo pensamentos suicidas e, é por isso que se torna importante buscar estratégias de sobrevivência e conforto nesses momentos.
É importante lembrar que o conceito de família pode ser muito mais abrangente do que geralmente é veiculado nos meios de informação. Não existe uma família ideal como vemos nos comerciais de televisão. Esses exemplos podem intensificar a solidão, a incompreensão e o não pertencimento em quem gostaria de ter esse vínculo. É possível criar uma família nova e escolher com quem compartilhar esses momentos importantes.
Mas caso você esteja em uma situação que não possibilita isso e vai precisar passar as festas de final de ano com pessoas e familiares que não se sente respeitado e acolhido, podemos pensar em algumas estratégias importantes de sobrevivência.
Lembre-se que você não precisa responder perguntas que não se sente à vontade sobre sua vida pessoal, você pode usar do humor para fugir da situação ou até mesmo ser mais direto e dizer que não quer falar sobre aquilo naquele momento. Avalie a situação e os riscos para evitar confrontos indesejados por você.
Também é importante dizer que você não é obrigado a aceitar falas ofensivas, homofóbicas ou transfóbicas etc, mesmo que não sejam diretamente direcionadas a você. Em alguns casos é possível apontar para as pessoas que aquela fala te deixa desconfortável ou até mesmo que se trata de uma violência. Em outros casos onde o diálogo não é possível você pode usar algumas táticas como deixar a pessoa LGBTfóbica desconfortável após o ataque. “Por exemplo: se a pergunta for mais direta, do tipo “você gosta de meninos?”, é possível responder com outra pergunta, como “você é homofóbico?”
Ainda outra tática é a de se fazer de desentendido. Quando uma pessoa fizer alguma afirmação ofensiva, diga a ela que não entendeu. Muitas vezes, quando essas pessoas tentam explicar o motivo pelo qual aquilo foi “engraçado”, acaba se atrapalhando e entendendo que aquele comentário foi violento. No entanto, isso tudo deve ser feito com muito cuidado, principalmente quando se está falando com alguém que você sabe que é mais agressivo e fechado ao diálogo. Neste caso, interrompa para não correr riscos.
Outro ponto importante, no caso de pessoas trans e não binárias, é a questão do uso incorreto dos nomes e pronomes. Não se acanhe em corrigir se alguma pessoa te chamar pelo pronome errado ou pelo nome morto. Tente exercitar a paciência e aproveitar a oportunidade para um diálogo franco sobre como se sente. Podem existir pessoas que se confundem e têm dificuldade maior de se adaptar. Caso você seja uma pessoa cisgênero que está presenciando alguma situação dessa, vale a pena intervir de forma cautelosa e com respeito, ajudando a pessoa trans a sair de um momento de desconforto. Caso se sinta confortável, indique para as pessoas que pode conversar sobre o assunto. Não aceite ser desrespeitado ou ofendido, mas lembre-se que, para muitas pessoas, o regime cisheterossexista não foi conscientemente percebido.
Agora se todas essas estratégias não forem suficientes, não se acanhe em se retirar! Infelizmente, existem alguns cenários em que um “final feliz” para essas conversas está absolutamente fora de cogitação. Caso sinta que a situação está te fazendo mal ou que há sinais de que pode ocorrer alguma forma de violência, o melhor é se retirar do local. Não adianta falar com quem não quer ouvir!
Caso esteja sentindo sintomas de ansiedade ou crise de pânico, tome o tempo necessário até que consiga se recompor. Exercícios de respiração ou técnicas habituais usadas para ficar mais calmo podem ser utilizadas neste momento. Tome cuidado com as medicações e o uso de álcool e outras drogas!
Peça ajuda caso a situação fique violenta, é importante se manter em contato com uma rede de apoio externa e/ou interna, caso exista alguém da família que ofereça apoio. Caso uma violência verbal ou física venha a acontecer é importante não se calar. Não se preocupe em “estragar” a festa para outras pessoas, já que um caso de violência é muito mais importante que isso. Busque a polícia e registre um boletim de ocorrência. Conte sempre com a rede de apoio que tem e não sinta medo de realizar a denúncia ou de magoar algum familiar por isso. A sua integridade e segurança é mais importante e deve ser respeitada.
Esse texto foi escrito baseado em vivências pessoais, textos de outras psicólogas sobre o assunto e a partir de conversas com amigues, espero que te ajude a sobreviver e viver mais um natal!