A maternidade é um construção social e cultural que define como criar os filhos e quem é responsável por isso. Ela se apresenta de diversas formas ao longo dos anos e em diferentes culturas e sociedades.
Na nossa sociedade, que chamamos de sociedade moderna ocidental, a partir do séc. XVIII a maternidade foi forjada como algo “natural”, “espontâneo” e “diferente de todos os outros amores”! Quem nunca ouviu a frase “amor de mãe”?
A maternidade entendida dessa maneira surgiu a partir da sua associação com o corpo e a capacidade procriativa da mulher (cis). Como se pela capacidade procriativa das mulheres cis elas automaticamente tivessem o desejo e o saber/fazer da maternidade.
Isso levou ao que chamamos de “naturalização da capacidade de cuidar” para as mulheres! Como se, pelo fato de ser mulher, saberíamos e desejaríamos o cuidado com o outro de forma espontânea e natural. Assim, somos demandadas e nos exigimos a funcionar nesses termos.
Mas cuidado exige dispêndio de energia física e psíquica, além disso é um saber fazer, ou seja, é um trabalho! No entanto, esse trabalho recebeu uma “capa afetiva” para transformar em “espontaneidade” o que na verdade é fruto de um processo de subjetivação.
A culpa é o sintoma de que o dispositivo materno está funcionando e de que o ideal de maternidade e emocionalidade foi introjetado. E quando esse controle não funciona existem mecanismos punitivos como a psiquiatria, o sistema socioassistencial e o sistema jurídico.
As mulheres são punidas não apenas socialmente, mas também juridicamente quando não performam dentro desse ideal de maternidade, e não recebem distintivo especial algum quando funcionam dentro dele!
A naturalização do cuidado é apenas para as mulheres, é uma vocação, não fazem mais do que a obrigação. Já os homens quando o fazem é por esforço, merecem congratulações.
Há um forte estigma e preconceito com mulheres que decidem entregar seus filhos, ato que é visto socialmente quase como um crime imperdoável, muito diferente para os pais que abandonam seus filhos.
Em nossa cultura, maternidade e feminilidade são quase sinônimos. Mulheres sem filhos são vistas como “tristes e incompletas” e são colocadas em xeque como mulheres.
É necessário haver uma maior socialização com os homens, os quais precisam ser interpelados a exercer funções de cuidado. É preciso pensar um cuidado com as crianças que não seja “mãe-cêntrico”, isto é, um cuidado infantil cooperativo.
É preciso discutir a distribuição do cuidado como um trabalho! É preciso dessentimentalizar o cuidado, desnaturalizá-lo e desgendrá-lo!
Texto escrito com base no capítulo “Dispositivo materno” do livro “Saúde Mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação” de Valeska Zanello.